BENZEDOR

BENZEDOR
A reforma dos trabalhos está acabando com os velhos compromissos de outrora.
Eu e minha esposa fomos conhecer um velho benzedor que tinha um sítio. Aliás, ele era agricultor e resolveu assumir este lado místico. Era casado e tinha uma filha que o ajudava a espalhar notícias sobre suas rezas. Ao chegarmos e sem esperar veio nos receber. Já dentro de sua humilde casa começou os preparativos. Havia uma esteira vermelha onde ele me parou em pé com as pernas separadas. Ajoelhado em minha frente começou o benzimento das pernas. Uma reza crente dentro de palavras macetadas com mãos livres. Dia e noite fazendo o mesmo ritual que aprendeu de pai para filho. Não havia um ramo ou erva para queimar a energia negativa. Somente reza.
Eu observava sua dicção difícil de entender, mas não descri de sua bondade.
Ele fez o que conhecia dentro da magia, porém a vida nos reserva o desvendar dos enigmas.
Eu fui buscar o que lhe perturbava. Ele tinha um encosto que lhe consumia sua alma. Estava doente por carregar muitos fardos que não lhe pertencia.
Aquela casa era um purgatório espiritual. A luz foi apagada e a escuridão preencheu todos os espaços.
Ao ver os andarilhos esfomeados chegando eu agradeci ao seu João, sua esposa e filha pela caridade.
_ Quanto é pela caridade!
A moça foi mais rápida e disse que não era nada. O homem não conseguia se levantar do chão. Foi preciso ajudá-lo.
Ao sair da casa eu reparei o sítio que estava meio abandonado. Árvores secando, animais morrendo, doenças se espalhando. Gritei no meu íntimo: Meu Deus! Jesus amado!
Meu grito silencioso ecoou pela região quebrando as amarras espirituais.
Ao invés de ser curado eu fui curar. Fui levar vida para aquela família. Como diziam pela região ser um vidente. Eu o via sem olhos. As imagens criadas em sua mente eram trazidas pelos espíritos enfermos. Teve uma imagem de um ônibus que vai cair dentro de um lago e seus passageiros morrerão todos. Eu redesenhei esta perturbação e reescrevi esta passagem.
Ao sairmos a moça gentilmente veio nos trazer um calendário que doavam aos peregrinos para divulgar seus trabalhos. Eu peguei e embarcamos de volta. Sem um ai conversávamos mentalmente. Foi um momento de reconhecer as velhas tradições que milenarmente ainda são cultuadas. Eu fui um benzedor lá em Angola. Aprendi com meu tutor a reza dos três cantos, quebrar a magia negra, tirar quebrando, mal olhado, inguas e costurar rasgadura. Aqui, hoje, eu não uso mais destas técnicas por ter uma nova missão. Se bem que muitos trabalhos do amanhecer refletem as tradições atualizadas na nova era. Naquele tempo certas coisas eram proibidas por lei e quem fosse pego praticando era preso. Com a vinda da clarividente ela implantou um sistema curador que transformou o antigo em novo. Sem ofender as leis ela reformou as tradições em um trabalho diferenciado.
Eu voltei com dor onde foi mexido.
Muitas vezes nós não acreditamos no nosso potencial e vamos buscar o que não nos pertence. A velha história de dois curadores que viviam longe e cada um tinha um poder curador, mas não se curavam. Um foi em busca a cura do outro e chegando lá viu que precisava curar o outro que pedia sua ajuda.
A cura está na nossa fé. Se eu ficar com medo não irei curar ninguém.
Eu admirei esta família que mesmo desconhecendo o envolvimento espiritual ainda se dispuseram a curar o próximo. Eu não mexi no sistema que atuava naquele lugar.
Eu invoquei as forças dos velhos curandeiros, espíritos das matas, e eles ouviram minha voz. Parecia que as árvores falavam entre si mesmas e começou uma quebradeira de galhos. O vento foi soprando as enfermidades para longe dali. O velho lavrador conseguiu se libertar e ao se levantar e veio pra fora observar a reação da natureza quase morta.
Na porta ele me olhava com seus olhos razos em agradecimento. Ele ainda não estava acreditando que foi mudado sua forma de prestar caridade pelo conhecimento.
Vou me benzer. Ao invés de me curar eu voltei com dor. Nem tudo é magia.
Meu conselho ou um dizer: a água está batendo na sua porta e vocês estão morrendo de sede.
Nós somos os benzedores desta nova era dentro da ciência espiritual que tia Neiva ensinou. A fé em acreditar em nós mesmos.
O trabalho incessante nos libertará das dores.
Seta Branca.
Eu já fui muito testado e digo que não é fácil ser missionário. A terra ainda é muito negativa.
Quem não tem tenta reprimir quem tem.
Eu vejo nestas disputas um poder negro de dominação. Não vejo libertação, mas escravidão das pessoas pelo medo, pela imposição dos falsos profetas.
Temos um caminho e uma história. Conte a tua história e não destrua as outras. Seja sincero e preste atenção no desvendar dos enigmas.
Ser livre é libertar.
Eu confio muito nos meus irmãos que já distinguem a verdade da falsidade.
Salve Deus!
Adjunto Apurê
An/Un
02.01.2025

Vale dos Deuses 1985